Dr Adriano Garcia, Manuel Dória Vilar, Prof. Dr. Fernando Paredes, Dr Francisco Bruto da Costa

sábado, 20 de março de 2010

Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE)


TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA: ASAE é inconstitucional - Polícia da ASAE: tribunal volta a considerá-la inconstitucional. É o segundo acórdão da Relação de Lisboa no mesmo sentido. Um terceiro pode pôr em causa milhares de inquéritos judiciais em curso.

À primeira o Ministério da Economia desvalorizou a decisão judicial. À segunda começa a fazer caminho a posição dos tribunais de que a ASAE tem competências inconstitucionais. O Tribunal da Relação de Lisboa divulgou ontem mais um despacho que anulou o julgamento em que um arguido tinha sido condenado, invocando de novo o argumento de inconstitucionalidade orgânica. Uma terceira apreciação neste sentido pode pôr em causa milhares de inquéritos judiciais em curso.

O caso agora decidido pela Relação de Lisboa diz respeito a um processo por exploração ilícita de jogo e o arguido tinha sido condenado, pelo Tribunal de Pequena Instância Criminal de Loures, a uma multa global de 3450 euros. Os argumentos seguem a jurisprudência inaugurada, em Junho passado, pelos juizes Fátima Mata-Mouros e João Abrunhosa. Em causa está o facto de o decreto-lei de 2007 que define a lei orgânica da ASAE introduzir normas que a definem como órgão de polícia criminal e autorizam o uso e porte de arma. Só que, à luz da Constituição, apenas a Assembleia da República pode legislar sobre o regime das forças de segurança; logo, não poderia o governo atribuir esses poderes de órgão de polícia (ver explicações detalhadas ao lado).

As decisões proferidas pelo Tribunal da Relação só têm efeito para os respectivos processos. E o Ministério Público está obrigado a recorrer delas para o Tribunal Constitucional (TC). Ainda não há uma decisão do TC, mas, mesmo que confirme os argumentos dos juízes-desembargadores, só após três decisões idênticas é declarada a inconstitucionalidade do artigo referido, com efeitos em todos os processos em que a ASAE tenha feito detenções ou assumido missões próprias de um órgão de polícia criminal. Não estão em causa nem a existência da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica nem todos os actos praticados, mas sim os que são reservados a forças de segurança - a começar pelas detenções. Logo que foi conhecido o acórdão de Junho passado, o Tribunal da Relação de Lisboa recebeu muitos pedidos de esclarecimento e requerimentos solicitando o acórdão. A questão está a ser suscitada em múltiplos processos em todo o país. Recorde-se que só no ano passado a ASAE deteve 1230 pessoas. Nas suas alegações, no primeiro processo decidido pela Relação de Lisboa, o Ministério Público defendeu que, apesar da atribuição de competências de órgão de polícia criminal, em nenhuma parte do Decreto-Lei 274/2007 a ASAE é definida como "força de segurança", ao contrário daquilo que acontece com as leis orgânicas da PSP ou da GNR. Como essa é a expressão usada na Constituição, o argumento do Ministério Público, recusando que a ASAE seja uma força de segurança excluiria a necessidade de intervenção do Parlamento no processo legislativo.

A Secretaria de Estado do Comércio, que tutela a ASAE, não conhecia ainda, ontem à tarde, o segundo acórdão agora proferido, por isso não comenta o caso. Em Julho, quando o primeiro acórdão foi divulgado, o gabinete de imprensa do Ministério da Economia afirmou que não seria tomada qualquer posição até que o TC emitisse juízo (definitivo) sobre a constitucionalidade.

JORNAL i | 08.10.2010
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Ac. Tribunal da Relação de Lisboa, de 25-06-2009 - Relator: FÁTIMA MATA-MOUROS.
1 - Na tensão dialéctica entre a liberdade e a segurança o conceito constitucional de forças de segurança não pode deixar de ser perspectivado numa visão ampla que abranja todos os corpos organizados que tenham por missão, principal ou secundária, garantir a segurança interna, o que inclui obrigatoriamente a prevenção de crimes que ponham em causa o direito à segurança dos cidadãos (artigo 27.º, n.º 1, da C.R.P.)

A Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) foi criada pelo DL n.º DL 237/2005, de 30 de Dezembro. Subsequentemente, o DL 274/2007, de 30 de Julho aprovou a orgânica da ASAE, mantendo as atribuições gerais inicialmente previstas para esta autoridade.

Entre as atribuições gerais previstas no primeiro diploma não se previam, todavia, as competências actualmente contempladas nas als. z) a ab) do art. 3.º/2 do DL 274/2007.

As novidades constantes do DL 274/2007 contemplam a atribuição de poderes de órgão e autoridade de polícia criminal, decorrente do art. 15º e a concessão do direito de uso e porte de arma ao pessoal de inspecção da ASAE contemplado no art. 16.º do DL n.º 274/2007.

Constituindo a criação, definição de tarefas e direcção orgânica das forças de segurança é matéria de lei, perante o quadro normativo exposto, a alínea aa) do art. 3.º DL 274/2007, ao atribuir à ASAE a competência para desenvolver acções de natureza preventiva e repressiva em matéria de jogo ilícito, não pode deixar de enfermar de inconstitucionalidade orgânica, por violação de reserva de lei da AR.

2 – No caso dos autos a arguida, ora recorrente, chegou a ser detida pela ASAE, tendo sido também esta autoridade que a libertou.

O art. 272.º/2 da CRP impõe que em sede de direitos fundamentais, a polícia só pode agir dentro dos limites autorizados pela lei, devendo, pois, resultar também da lei todas as medidas restritivas de direitos que uma força policial pode utilizar, sendo que entre os actos de polícia que traduzem restrições de direitos fundamentais conta-se sem dúvida a detenção.

A sujeição das medidas de polícia ao princípio da tipicidade legal colhe o seu último fundamento no princípio democrático.

A afirmação de que a actuação da ASAE no âmbito do processo penal surge sempre subordinada à direcção de uma autoridade judiciária, ignora todo o campo de actuação cautelar deixado aos órgãos de polícia criminal também no âmbito do inquérito criminal com incidência nos direitos fundamentais dos visados. É neste ponto que reside, indubitavelmente, a justificação para a imposição de acto legislativo.

Conclui-se, assim, que também o art. 15.º do DL 272/2007 na parte em que confere poderes de órgão e autoridade de polícia criminal à ASAE, em conjugação com a atribuição que é feita pelo mesmo diploma de competência para prevenir e reprimir certos crimes enferma de inconstitucionalidade orgânica.

3 - O art. 381.º/1 do CPP prevê as situações em que há lugar a julgamento em processo sumario. Considerando a inconstitucionalidade orgânica acima afirmada, nenhuma das previsões ali em referência cobre a situação dos autos,

E sendo assim, manifesto é que o julgamento em processo sumário realizado importou a nulidade insanável estabelecida no art. 119.º/f) do CPP.
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ASAE - ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
A ASAE é a autoridade administrativa nacional especializada no âmbito da segurança alimentar e da fiscalização económica. É responsável pela avaliação e comunicação dos riscos na cadeia alimentar, bem como pela disciplina do exercício das actividades económicas nos sectores alimentar e não alimentar, mediante a fiscalização e prevenção do cumprimento da legislação reguladora das mesmas.

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