Dr Adriano Garcia, Manuel Dória Vilar, Prof. Dr. Fernando Paredes, Dr Francisco Bruto da Costa

quarta-feira, 31 de março de 2010

PLATÃO E A CARTA SÉTIMA - A REALIDADE POLÍTICA

Platão (em grego: Πλάτων, transl. Plátōn, "amplo" Atenas, 428/427[a] - Atenas, 348/347 a.C.) foi um filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos filosóficos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental. Juntamente com o seu mentor, Sócrates, e seu pupilo, Aristóteles, Platão ajudou a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental. Acredita-se que seu nome verdadeiro tenha sido Arístocles; Platão era um apelido que, provavelmente, fazia referência à sua característica física, tal como o porte atlético ou os ombros largos, ou ainda a sua ampla capacidade intelectual de tratar de diferentes temas, entre eles a ética, a política, a metafísica e a teoria do conhecimento.

Platão, enquanto foi discípulo de Sócrates, e provavelmente mesmo antes, tinha pensado seriamente em dedicar-se à carreira política. Mas, tendo visto por um lado o que era a virtude por ter convivido com um modelo da mesma e, por outro, o que era a realidade política, percebeu claramente a inutilidade dos seus esforços diante da situação em que se encontravam as coisas.

Ele próprio declarou o seguinte na Carta Sétima:

"Com os hábitos que o modo de vida
que os gregos vem levando
têm produzido,
hábitos estes que se formam
já nos primeiros anos de vida,
nenhum homem debaixo do céu
poderá alcançar a sabedoria
A natureza humana não é capaz
de uma combinação
assim tão extraordinária.
O resultado é que as constituições das cidades
ficarão sempre em estado de perpétua mudança,
passando da tirania para a oligarquia
da oligarquia para a democracia
e assim se sucedendo umas às outras
enquanto que aqueles que ditam o poder
não conseguirão sustentar
nenhuma forma de governo
que faça permanecer a justiça.
Não será possível existir a felicidade
nem para uma comunidade,
nem para um homem individualmente considerado,
a menos que ele passe a sua vida
sob a regra da virtude
sendo nesta guiado pela sabedoria,
ou porque este homem possua
ele próprio em si mesmo estas virtudes,
ou porque viva debaixo do governo de outros homens
que receberam para tanto
um treino e uma educação
no que diz respeito à vida moral".

A esta mesma conclusão já havia chegado, quatro gerações antes, o filósofo Pitágoras.

Na Carta Sétima, segundo nos diz Roberto Romano, Platão afirma que o seu alvo em Siracusa, terra dominada por Dionísio, era substituir o absolutismo do tirano pelo governo das leis.Um importante estudioso do pensamento platônico como Glenn R. Morrow cita as Leis, onde Platão afirma que não existe nenhum mortal que possa manter um mando supremo e irresponsável sem perder sabedoria e integridade.Se as leis perdem soberania, o Estado segue para a ruína. A mais elevada qualidade governamental e civica é a plena obediência às leis. Todos os juizes e funcionários devem ser responsáveis. Os dirigentes são chamados por Platão de Nomophylakes, ou seja, guardiões da lei, ministros de uma soberania que não é deles. O nome não é inventado pelo filósofo, ele existia em cidades gregas de seu tempo.

A tese da soberania da lei define o núcleo do pensamento politico platônico. Vejamos, no entanto, as modificações que ele propõe, em relação às formas existentes na vida jurídica ateniense, no quarto e quinto séculos. O principal era a supremacia das cortes populares, os dicastérios (palavra com origem em Diké, a lei). Tais cortes reuniam grande número de pessoas (de 500 a 2.500), selecionados por sorteio antes do julgamento. Tais cortes eram as geradas pela democracia e substituiam os pequenos tribunais anteriores, compostos de magistrados e dirigentes. Algumas destas pequenas cortes continuaram a existir ao lado das populares, sobretudo o Areópago, único a permanecer imune diante das cortes populares, pois ele julgava os crimes mais graves como homicídios e demais crimes que exigiam pena capital. Aquela corte usufruia de respeito amplo, enquanto as populares eram criticadas. Aristófanes, Tucídides, oradores vários dirigiram invectivas contra elas. Os democratas, no entanto, as defendiam fortemente. Na Apologia de Sócrates, Platão endereça uma crítica velada contra aqueles tribunais populares.

No início do Estado moderno a legitimidade do governante ainda reside no ser divino. Mas a razão de Estado afasta os conceitos teológico-politicos e assume a linguagem do interesse estatal. Neste processo, juristas e teólogos como Botero, em resposta ao desafios de Maquiavel, definem o uso legítimo dos poderes tendo como alvo manter e expandir os bens públicos. A nova razão política incorpora o segredo para garantir o gabinete real, lugar onde não são admitidos os homens comuns. Aceito com reservas pela Igreja, o segredo é a marca dominante do Estado laico. Se o secretário (a origem do termo é marcada pela própria palavra do segredo) e o governante devem ocultar tudo o que for possível aos que não têm acesso aos gabinetes eles, no entanto, devem descobrir tudo o que estiver para além das fronteiras de seu Estado e na mente e no coração dos dirigidos.

Do gabinete onde se oculta, o governante acumula segredos e deseja os súditos expostos sob luz perene. Desse modo se estabelece a heterogeneidade entre governados e dirigentes. Na aurora dos tempos modernos “a verdade do Estado é mentira para o súdito. Não existe mais espaço político homogêneo da verdade; o adágio é invertido: não mais fiat veritas et pereat mundus, mas fiat mundus et pereat veritas. As artes de governar acompanham e ampliam um movimento político profundo, o da ruptura radical (…) que separa o soberano dos governados. O lugar do segredo como instituição política só é inteligível no horizonte desenhado por esta ruptura (…) à medida que se constitui o poder moderno. Segredo encontra sua origem no verbo latino secernere, que significa separar, apartar”.

Os teóricos da soberania popular não conseguem audiência nas cortes e parlamentos aristocráticos. As noções de universitas, communitas ou corpus, o povo reunido com majestade, toda essa constelação conceitual sofre críticas desde os seus momentos iniciais. De outro lado, os que defendem uma personalidade jurídica para o povo tomam cuidado para que a soberania popular não seja absorvida pelos representantes. “Já no final do século 13 a doutrina filosófica do Estado definiu o axioma de que o fundamento jurídico de todo governo reside na submissão voluntária e contratual das comunidades governadas. E foi declarado que por um principio de direito natural ao povo e apenas a ele, cabia colocar-se como chefe (…) do poder estatal. Althusius afirma ser impossivel diminuir a soberania popular com base no contrato”. O povo seria o summus magistratus.

Todos se consideram aptos
Para Platão, o primeiro e fundamental problema da política é que todos os homens acreditam-se capacitados para exercê-la, o que lhe parece um grave equívoco, pois ela resulta de uma arte muito especial. Distingue então três tipos de artes:
1 - aquelas que ele chama de auxiliares (que podemos classificar como as de ordem técnica, como o artesanato, a marinhagem, o pastoreio, etc...);
2 - em seguida vem as artes produtoras (o plantio, a tecelagem, o comércio, etc..), e por último:
3 - a arte de saber conduzir os homens, que seria a política propriamente dita, superior a todas as outras.

As formas da política
Platão dedica-se a descrever as formas em que os regimes político se constituem, adotando a conhecida classificação numeral: o regime de um homem só (que se subdivide em monarquia, onde um rei obedece a lei e a tradição), e na tirania, (o governo discricionário); o regime de alguns (o governo de um grupo que se subdivide em oligarquia e aristocracia); e, por fim, o governo dos muitos (a democracia). Neles opõem-se nos mais diversos graus, a riqueza e a pobreza, a violência e a liberdade, a obediência às leis escritas ou a ausência de leis. Qual dentre eles afigura-se como o melhor?
Platão minimiza a importância das formas que os regimes políticos assumem. Neste momento da sua exposição, por meio do Estrangeiro, personagem principal do diálogo, a monarquia, a tirania, a oligarquia, a aristocracia ou a democracia, afiguram-lhe ser de menor interesse perante o fato maior de saber-se dominar a ciência da política. Pois é esta ciência (a que determina o que realmente é importante para a política), a arte de saber governar os homens, "a mais difícil e maior de todas as ciências possíveis de se adquirir", é que nos possibilita a ajudar a afastar os rivais do Rei Competente (isto é, o governante ideal). Ela é um instrumento de seleção que, ao mesmo tempo que nos permite dissuadir os pretendentes equivocados, auxilia a persuadir os vocacionados a ingressarem na política.

A Política é a Ciência Soberana Se nem a estratégia, nem a justiça, muito menos a retórica, são artes independentes, só resta a política como a verdadeira e única arte superior. É ela a ciência real. Ainda que não possuindo obrigações práticas, reina sobre os demais, unindo a sociedade num só tecido perfeito. O que ela consegue é graças a harmonia das leis que elabora. O objetivo de toda a ciência política é eliminar ao máximo os maus elementos, conservando porém os bons e úteis para então "fundi-los numa obra perfeitamente una por suas propriedades e estruturas".

Nihil est incertius vulgo, nihil obscurius voluntate hominum, nihil fallacius ratione tota comitiorum.

Aqui vos deixo esta pequena (!) reflexão para o contributo sobre o eventual e actual estado da Nação.

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